Biblioteca José Saramago – Campus 2 do IPLeiria
15 de Março de 2013

Não creio que estejamos aqui a celebrar a consagração de um artista feito ou a confirmação de um poeta acabado.
Possivelmente, não presumimos estar a partilhar este momento com uma promessa indiscutível da pintura e da literatura universais.
Alguns de nós até poderão descobrir nesta exposição, algumas hesitações do autor na busca de caminhos das expressões e talvez possíveis verduras formais nesta sua aventura.
E isto digo eu, que de todas as coisas sei muito pouco e, desta, menos ainda. Talvez por isso, a minha presença nesta função, será um erro de "casting" apenas justificado pela amizade com que o Micael teima em me honrar.
Apetece-me então dizer que aqui viemos celebrar a essência da natureza humana que é o estarmos juntos e, preferencialmente bem. E isso talvez nos baste!
Já sabíamos que o Micael era um homem generoso, com um coração que extravasa o volume do seu corpo (já de si avantajado...) Sabíamos, também, que era um militante cívico, um crente na bondade social e um amante do saber cosmológico, na conceção clássica dos filósofos do antigo saber.
Sabemos agora ainda mais: que preza como poucos a generosidade no sentido da dádiva, do despojamento, preservando a lisura ética das relações... com a coragem da exposição pública (que o deixa nervoso), que será uma outra marca superlativa no seu caráter de homem sensível e comprometido com a diversidade do mundo.
A propósito da valorização do sentimento, conta-se que o jovem Kaiser Frederico II terá perguntado ao seu mestre de equitação o que era mais importante para ser um bom cavaleiro: a montada, os arreios ou a técnica? O mestre respondeu-lhe, sem hesitar: " o coração sire, o resto vem tudo atrás!"...
E nesta mostra, concebida com disciplina, com esforço e persistência há, para além do talento e da técnica, a descoberta do lado oculto e frágil de um homem que nos orgulhamos de contar como amigo e que nos abre os braços, convidando-nos a entrar e a visitar no seu canto mais íntimo, com um abraço sentido. O resto, vem tudo atrás!...
Esta é a viagem que realmente nos interessa. Alijar a carga inútil dos salamaleques de conveniência social, partilhar momentos com cumplicidade genuína, contarmos com ombros de apoio incondicional, ouvirmos brados de incentivo na jornada e acomodarmos a pureza da crítica, no balanço da nossa existência inevitavelmente fugaz.
Ao preparar estas palavras, sopesando a função da crítica, lembrei-me de um outro episódio verídico a que assisti, há bastantes anos, na estreia do filme " Histórias Selvagens", do realizador leiriense António Campos, que fixava o bucolismo invernoso das povoações ribeirinhas do Mondego. Um reputado crítico de cinema perguntou-lhe no final da exibição: "como explica a dimensão da simbólica da água em muitas cenas desta sua obra?". O Campos, baixinho e esquálido, eriçou o bigode despenteado e disse: "Olhe, não tinha pensado nisso; eu apenas quis filmar a beleza dramática das cheias do rio."...
A difícil demonstração da simplicidade tem destas coisas... Põe a ridículo o rebuscamento inútil, a basófia pseudo-erudita, a soberba cultural.
É por comungarmos dessa premissa que, muitos de nós aqui estão, testemunhando, de modo" inteiro e limpo"- como diria Sophia - a surpresa pelo artista que derrama a alma na tela, sorrindo com as suas provocações poéticas e, também, com o arrojo desta prova de vida de cidadão insubmisso, que não se conforma com o consumo anódino dos dias que correm.
Eu não ouso fazer crítica de arte a não ser através do meu próprio gosto banal. Não me arvoro em conhecedor profundo de poesia, capaz de, bisturi literário em punho, dissecar os textos que ilustram estas telas ou vice-versa. Eu gosto da música das palavras puras de Sophia ou da lúcida nostalgia de Ruy Belo, das paragens intimistas de Mª do Rosário Pedreira ou da eloquência romântica dos poemas de Rilke.
Eu apenas me emociono, de forma primária, com a intensidade dramática dos tons escuros de Goya, ou com a luz viva da paleta de Rafael, com as interrogações enigmáticas e solitárias de Munch, com as explosões inquietas de Kandinsky ou até com a mágica placidez do bisonte da gruta de Altamira.
Mas, confesso-vos, na interação de alguns textos com as telas desta exposição, senti essa corrente subliminar de sensibilidade, a agudeza despretensiosa da observação do mundo, a pureza - quase ingénua - da construção estética, o sopro dos silêncios contidos. E, de relance, pareceu-me, também, descobrir um exercício paciente de metódica montagem de peças/ideias encaixadas como blocos de Lego, tão do gosto do autor e que, assim sendo, torna ainda mais evidente a sua impressão digital nesta "performance" artística.
É verdade, como já o disse, não sou um conhecedor, mas tão só um apreciador das artes e, por isso, outros diriam palavras muito mais apropriadas à ocasião, já que, indesculpavelmente, acabei por não apresentar nem a obra, nem o seu criador. O Micael, ao escolher um modesto mestre-escola para aqui desempenhar este papel, fez uma opção pouco usual. Hierarquizou valores e quis sublinhar o lastro da amizade desinteressada, em detrimento de outro brilho mais eloquente e mais conceituoso.
Agradeço ao nosso amigo Micael esse risco e esta partilha, desejando que continue com a fé inquebrantável de descobrir novos caminhos de participação pública e de afirmação da sua grandeza de caráter, sabendo que a sua suprema e mais notável obra (e da Isa), nos surpreenderá, lá para os calores de agosto.

Muito obrigado.
Pedro Melo Biscaia