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Quando Leiria foi incendiada pelos franceses, há 200 anos, em 5 de Março de 1811, não havia praticamente naturais para registar o evento. E os que vieram depois tinham outras preocupações bem mais prioritárias do que registar essa catástrofe para a posteridade. O tempo passou e pôs-se uma pedra sobre o assunto. A cidade, volvidos 200 anos, desconhecia em absoluto este dramático acontecimento. Essa a razão por que, à maneira do que já fizera para evocar o massacre da Portela, a 5 de Junho de 1808, Carlos Fernandes decidiu reunir num único volume os relatos possíveis, praticamente todos a posteriori, sobre a destruição de Leiria, na retirada dos franceses, depois da 3.ª invasão.
Desse trabalho meticuloso resultou o livro “Invasões Francesas – Leiria, 5 de Março de 1811: O incêndio da cidade – 200 anos”, com organização, selecção de textos e notas introdutórias de Carlos Fernandes e tradução de alguns textos (franceses e ingleses) de Maria Cecília Basílio. É um livro com 240 páginas, n.º 13 da colecção “Tempos e Vidas” da editora Textiverso.
O lançamento foi feito justamente 200 anos depois, no dia 5 de Março de 2011, no salão nobre da Câmara Municipal de Leiria e em presença do respectivo Presidente, Dr. Raul Castro. Na apresentação esteve o Eng. Ricardo Charters d’Azevedo que, aliás, foi um dos angariadores de materiais para este livro.

Evocando a Guerra Peninsular, Charters d’Azevedo diria: «As pedras, a poeira, a lama, as silvas, a falta de orientações, era assim que os soldados julgavam a guerra. O cheiro episódico a pólvora e a cadáveres. A imagem de aldeias, vilas e cidades fumegantes e desertas que sinalizavam o avanço e o recuo dos exércitos. Durante quatro anos, os exércitos percorreram a pé e a cavalo milhares de quilómetros de um país destruído, exausto e faminto – Portugal.»
Referindo-se objectivamente à 3.ª invasão francesa e às destruições que provocou, Charters d’Azevedo acrescentaria: «Esta terá sido a primeira guerra que deu origem a um número considerável de relatos escritos por oficiais e soldados de ambas as facções.  Portugueses igualmente escreveram sobre o que viram, ou o que lhe contaram. Nestas memórias, surgem quase sempre referências a Leiria, pelo que o livro que hoje aqui apresentamos, organizado e com notas introdutórias do Eng. Carlos Fernandes, é importante, pois podemos ficar com uma ideia mais clara sobre aquilo que os leirienses sofreram há precisamente dois séculos, lendo os estratos, por ele seleccionados, das memórias publicadas.» «Os relatos que nos chegaram, e são neste livro apresentados, mostram-nos que era impossível passar por um país tão completamente devastado sem sentimentos de horror e pena por tanto sofrimento. Nada pode superar a exuberante crueldade e barbárie dos franceses.» - complementa. Refira-se que, para a consecução deste livro, o organizador se socorreu das obras escritas de historiadores ou estudiosos deste período da primeira década do século XIX, deixando aos leitores um conjunto vasto de referências que permitem aquilatar com mais objectividade o que realmente se passou há 200 anos.
Charters d’Azevedo sublinharia ainda os aspectos que, em seu entender, tornam este livro relevante: «É importante – pois faz-nos pensar. É importante – porque “sentimos” como os nossos antepassados sofreram. É importante – pois passamos de uma leitura romântica das invasões francesas para uma realidade de que nunca ninguém nos falou ou apresentou. É importante – pois comemoramos hoje os 200 anos da saída do exército francês da cidade de Leiria, incendiando-a.» Terminaria salientando que «os documentos transcritos neste livro: fazem-no um documento pungente da dureza da guerra; fornecem uma narrativa fluida e consistente da sequência da perseguição entre os dois exércitos em confronto ou das fugas impiedosas da população; e apresentam-nos um retrato singular de um país à deriva.»
Há, pois, um tempo antes e um tempo depois de 5 de Março de 1811. Leiria renasceu paulatinamente das cinzas de há 200 anos para cá.