Hoje, dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ocorrem-me pensamentos contraditórios. Não são propriamente de regozijo, mas sobretudo da constatação de que a paridade que esta data deveria celebrar fica ainda aquém da sua concretização.
Recuo no tempo e recordo as mulheres da minha infância, da minha terra (arredada das grandes cidades de Portugal). Lembro-me dessas mulheres que vi trabalharem de sol a sol nos campos, nas fábricas, na costura, em casa, em tanta coisa, ao mesmo tempo. Lembro-me dos tempos e espaços de lazer dos homens, no terreiro, nos cafés, nas tabernas – espaços sobretudo (ou exclusivamente) masculinos e tacitamente interditados às mulheres.
Lembro-me dos professores iluminados pelas esperanças de abril e cresci na convicção de que eram premissas inabaláveis e tão verdadeiras, tão reais, tão garantidas como o ar que respiramos. E fui, ingenuamente, ao longo da vida, fazendo fé nessa mundivisão que me moldou e que norteou o meu percurso. Fui, obviamente, vendo e ouvindo histórias que contrariavam essa mundivisão, que apontavam para mentalidades diferentes em que as mulheres atavicamente, por uma qualquer inerência de género, não se situavam exatamente no mesmo patamar dos homens. Sempre entendi, ou quis entender, essas histórias como desviantes relativamente à norma. E via esses episódios como fortuitos, resquícios de um tempo que, para todos os efeitos, era passado.
Decorrido mais de meio século sobre a esperança de abril, sobre os comoventes discursos inflamados de mulheres que procuraram no após revolução dar voz aos mais elementares direitos das mulheres, com que desilusão e desesperança constato que as mentalidades precisam de bem mais tempo para se ajustarem às leis fixadas no papel!
Não ignoro a abissal diferença entre o antes e o depois de 1974. Passei muito tempo no Arquivo Nacional Torre do Tombo a consultar processos e legislação do Estado Novo e posso com toda a segurança afiançar, aos mais incrédulos, que foram incomensuráveis as conquistas do 25 de abril relativamente aos direitos das mulheres (e referirei apenas o direito de voto, por serem tantos e tão aviltantes os destratos de outrora à condição feminina).
Apesar de tudo isto, e ciente destes progressos, com que pesar constato que, ainda hoje, existem contextos laborais em que as mulheres são tratadas com indisfarçada hostilidade, e que auferem vencimentos inferiores aos dos homens.
E com que desilusão constato que existem ambientes, insuspeitos, onde a desigualdade de género existe de facto e, o que é mais tenebroso ainda, de forma dissimulada. A coberto de uma pretensa igualdade de género, inclusivamente com a conivência de algumas colegas premiadas por isso mesmo, as mulheres são preteridas em relação aos homens, que, em bastidores, se mobilizam para favorecer os seus pares. Em discretos atropelos à paridade de género (nem tal seria legalmente viável), vão-se protegendo e promovendo colegas homens em detrimento das colegas mulheres.
É com tanta tristeza e desesperança que, ainda hoje, constato que as mulheres são, por inerência de género e um qualquer fado atávico, os esteios das famílias, as educadoras dos filhos e as cuidadoras dos pais. E é com tanta mágoa que vejo que esses papéis, onde radica a humanização das nossas sociedades, são, ainda hoje, invisíveis, considerados insignificantes e incompatíveis com progressões na carreira ou promoções laborais.
Neste dia de homenagem a todas as mulheres, deixo uma sentida homenagem à minha mãe que me incutiu a urgência da formação e do exercício de uma profissão para me assegurar autonomia financeira, mas que, apesar das esperanças de abril, via com muita apreensão o futuro das filhas (mulheres) no Portugal contemporâneo.
Ana Isabel Marques
[Nota: Imagem criada com a assistência da IA Chat-GTP (OpenAI)]