A ESCOLA SAIU À RUA
por Ana Isabel Marques e Eduardo Rego
14 de Janeiro de 2023
A crise que vive a classe docente deve-se, na minha opinião, à degradação da imagem do professor, em tempos tão admirado e mesmo acarinhado no seio das famílias. Ao invés disso, hoje em dia é incutida nos mais novos a noção de que o professor não passa de um pobre coitado sem eira nem beira, mal pago e sem qualquer outra opção profissional a não ser dar aulas. Neste contexto, dificilmente um aluno consegue sentir admiração pela figura do professor ou dar importância ao trabalho por este orientado. Está, assim, à partida, quebrado o equilíbrio, absolutamente indispensável para a dinâmica da aula, que assenta na admiração do coletivo da turma pelo professor. E estão lançadas as sementes para o caos e para a indisciplina.
Mas a degradação da imagem do professor é consequência direta de uma série de fatores que concorreram para o desprestígio social desta classe de profissionais: baixos salários, comparativamente com a formação exigida; precariedade dos vínculos contratuais; esmagamento com trabalho burocrático, que compromete o próprio exercício da docência (já para não falar da inevitável perda de hábitos de consumo de cultura); garrote de progressão na carreira; injustiça dos processos de avaliação.
Mas se todos estes aspetos são mais ou menos mensuráveis, outras questões igualmente perniciosas, mas não quantificáveis, ajudam a atear a fogueira em que vai ardendo a classe docente. Refiro-me às tentativas de envenenamento da opinião pública relativamente às verbas afetas à massa salarial dos professores, que faz com que alguns setores da sociedade vejam os quadros de professores como sorvedouros de dinheiros públicos, quiçá responsáveis maiores pela dívida do país.
Acresce a esta imagem o ónus (que só por pudor não é verbalizado mais vezes) da “não produtividade” da classe, uma vez que vivemos tempos mormente orientados para a materialidade de “PIB” e "volumes de exportações". Parece que globalmente nos esquecemos de que ninguém nasce a saber ler e escrever e que é aos professores que devemos a formação do país como um coletivo. Devemos aos professores desde o domínio de aptidões de literacia básicas, às formações mais complexas de profissionais que, em áreas diversas, impulsionam e fazem progredir o país.
E muito mais coisas se poderia dizer sobre tempos ainda mais negros que se avizinham (a colocação de professores com a intervenção dos municípios daria, só por si, um triste e extenso capítulo).
Anos a fio de desconsiderações aos professores conduziram a uma degradação lamentável das condições laborais desta classe – uma espécie de nó górdio impossível de desatar. Seja qual for a ponta por onde se pegue, a única certeza é de que é vital, urgente e imprescindível desfazê-lo, sob pena de, a continuarmos neste rumo coletivo, comprometermos definitivamente uma das maiores conquistas de Abril: a formação e qualificação do povo português.