Raul Faustino de Sousa, de seu nome completo Raul Faustino de Almeida Nobre de Sousa, nasceu a 5 de Agosto 1905 na Marinha Grande, filho de Rodrigo Faustino de Sousa, guarda-livros e depois militar, terminando como Capitão de Infantaria, natural da cidade de Leiria, e de Elisa de Almeida Nobre de Sousa, doméstica, natural da Marinha Grande. Era neto paterno de António Faustino e de Ana Eugénia de Sousa, e materno de Estêvão Nobre de Sousa e de Maria Carolina de Almeida. Foram padrinhos de baptismo, realizado a 7 de Setembro mesmo ano, Raul Afonso de Abreu, casado, pintor de vidro, e Guilhermina Guerra Pedrosa, solteira (1).
Depois de uma breve passagem por Mafra e Vila Nova de Gaia, devido à condição de militar que o pai entretanto assumiu, chegando a ser capitão do Exército, passou a residir em Leiria cerca de 1909/10.
Foram vários os locais da cidade onde a família habitou. O primeiro foi numa residência junto do então Hospital Militar, a Santo António dos Capuchos; depois, no Largo do Hospital D. Manuel de Aguiar, junto à calçada do Carrascal; uma terceira residência foi ali perto, junto à vala do moinho, atrás da então Escola Conde de Ferreira, actual sede da Junta de Freguesia de Leiria; a família mudou-se entretanto para uma casa nas imediações da Fonte do Freire; uma quinta habitação foi no Terreiro, no rés-do-chão de uma casa pegada ao edifício do Barão do Salgueiro; a família passou depois para o 1.º andar de um edifício logo ali a dois passos, na Rua de Alcobaça, em frente à casa do capitão Bexiga; dá-se depois uma deslocação para a Marinha Grande; no retorno a Leiria, a mudança foi para outro 1.º andar de uma casa com amplo quintal, agora na calçada do arco de Santo Estêvão (ex-rua do Coração de Jesus); ainda outra mudança, cerca de 1917, deu-se para uma casa de 1.º e 2.º andar, no então Largo da Graça, conjunto que entretanto foi demolido para dar lugar ao Largo Marechal Gomes da Costa; finalmente, a família assentou arraiais numa casa em frente ao Jardim-Escola João de Deus, no início da artéria que viria a constituir a Avenida Marquês de Pombal – aqui viveu até 1938, tendo como vizinha, pelo menos nos primeiros anos, a escritora Graciette Branco.
Em termos de escolaridade, começou por frequentar justamente a Escola Conde de Ferreira, ao lado de casa. Teria sete anos e estaríamos nessa altura por 1912. Era docente a professora Amélia Miranda. Dali passou para a escola instalada nos Paços do Concelho onde teve como professora Júlia Melo. Também não parou aqui, e passou para uma outra que funcionava no velho e arruinado edifício do Convento de Santana, com o professor Caetano. Segue-se a escola particular do professor José Nogueira, na Rua da Misericórdia. A família deixa, entretanto, Leiria e vai para a Marinha grande. É aqui que Raul de Sousa faz a terceira e quarta classes, primeiro na escola oficial, com o professor Oliveira, depois com a explicadora D. Brígida Martins, com a qual preparou a quarta classe cujo exame foi fazer a Leiria, tendo voltado à Marinha Grande, onde a família não se detém muito mais tempo, regressando a Leiria. Ainda frequentou a escola particular do professor Teixeira, mas não se deu bem e foi-se embora ao fim de poucos dias.
A sua entrada no Liceu Rodrigues Lobo, em Leiria, deu-se aos 12 anos, em Outubro de 1917, exactamente na altura em que as tropas portuguesas estavam de partida para a 1.ª Grande Guerra. E ali assistiu aos preparativos do Regimento de Infantaria 7, sediado no convento e igreja de Santo Agostinho. A sua passagem pelo Liceu ficou marcada pelo seu espírito rebelde e afirmativo, impondo respeito. «Dali em diante comecei a ter foros de perigoso e comecei a ser considerado e temível.»
Depois de completado o curso liceal, matriculou-se na Escola Comercial e Industrial Domingos Sequeira. Fez os cinco anos do curso em apenas três e ficou diplomado em Desenho Industrial e Profissional. E, na sequência, ainda fez o Curso Complementar de dois anos em apenas um. No final deste, tirou o curso especial de Ensino Técnico Profissional (E.T.P.), que era de três anos e que fez em um apenas. Em consequência desta formação, foi arvorado Monitor de Curso e Monitor da Escola Industrial durante alguns anos.
Entre várias outras actividades, praticou: na área desportiva, atletismo, ciclismo, motociclismo e automobilismo, tendo sido também treinador de ginástica; na área cultural, fez teatro, foi cenógrafo, ensaiador, caracterizador e ponto, cantou no Orfeão da Escola Industrial e no Orfeão de Leiria, como 1.º e 2.º tenor, foi chefe de naipe, desenvolvendo também intensa actividade nas danças coreográfica e de salão.
Intensamente integrado na vida da cidade, conheceu inúmeras pessoas e locais que descreve nestas "Memórias" com agudo sentido fotográfico, a que junta por vezes esquissos ou desenhos muito elucidativos, que ajudam a perceber a geografia das ruas, nos diversos estados evolutivos da urbe ao longo dos anos 1910 a 1939, a localização das casas particulares e comerciais ou instituições (teatro, escolas, Feira...) ou mesmo o aspecto das viaturas puxadas a cavalos ou motorizadas.
Da mesma forma, refere as várias actividades públicas realizadas naquele período, das que revestiam carácter académico às religiosas (procissões, círios...), às políticas ou politico-militares (Legião, Mocidade Portuguesa...), às culturais (teatro, música, dança...), recreativas (touradas, circo, bailaricos...) e desportivas, aqui muito especialmente as ligadas aos automóveis e motas. Esteve na fundação do Leiria Ginásio Clube e na realização de uma grande festa na fábrica de cimentos de Maceira-Liz, a convite de Henrique Sommer.
Aprendeu a conduzir em Outubro de 1920, num veículo Cleveland, propriedade do Sr. Amaral, da firma Leitão & C.ª.
Casou em 17 de Dezembro de 1938 com Maria Joaquina Leitão Martins de Sousa. O registo foi feito na Conservatória do Registo Civil de Leiria, mas a cerimónia religiosa decorreu na capela dos Pousos. Deste casamento nasceu em Leiria um filho, a 9 de Setembro de 1939, a que foi dado o nome de Hélder, hoje um nome conhecido do mundo do automobilismo como Hélder de Sousa. Residiam numa casa localizada na Calçado do Bravo, actual Av. Paulo VI.
Concorreu, entre cerca de mais duas dezenas de pessoas, ao lugar de Desenhador Técnico da CML e foi admitido, com 18 valores de classificação. Esteve ao serviço da CML durante cinco anos, entre 1934 e 1939, ano em que se ausentou para África em serviço oficial, onde esteve trinta anos (cinco anos na Guiné e25 em Angola).
Era ele que fazia, nesse período, a planta da Feira de Março e a distribuição dos feirantes.
Elaborou e desenhou a Planta de Leiria de 1939, entre outros trabalhos cartográficos.
Colaborou com o arquitecto Camilo Korrodi na CML e, a nível particular, com o arquitecto Santa-Rita e, na Escola Industrial, com o professor Narciso Costa. No Gabinete de Arquitectura e Decoração, trabalhou com Narciso Costa, Korrodi, Teriaga, António Varela, Humberto Guerreiro, Horácio Eliseu e Joaquim Duarte Alves.
Diligenciou o salvamento da casa do Tenente Pereira da derrocada e fez o desenho do plano de urbanização de Monte Real, procedendo ainda ao levantamento topográfico de Leiria – Monte Redondo para instalação de energia eléctrica.
Colaborou com ilustrações num livro de geografia do Dr. António Gonçalves Matoso, e terá colaborado também, depois, com numerosas ilustrações do ambiente africano, noutros livros e publicações. No espólio de Narciso Costa, existente no Arquivo Distrital de Leiria, encontra-se um importante caderno de desenhos de Raul F. de Sousa que foi oferecido pelo autor ao velho professor e amigo. São justamente desenhos de características e índole africanas.
Como referimos, em 1939 embarcou, já casado e com o filho, Hélder de Sousa, para a então Guiné Portuguesa. De 1939 a 1944, foi ali chefe técnico de Obras Públicas, tendo vivido o primeiro ano em Bolama.
Em 1945, foi nomeado para prestar serviço de Obras Públicas em Angola, primeiro em Malange, depois em Luanda. Percorreu, nessas funções, grande parte do leste do território angolano em viagens de trabalho, instalando-se posteriormente em Luanda como Agente Técnico de Obras Públicas. Mais tarde, foi deslocado para os Serviços de Viação e Trânsito, onde foi examinador e, posteriormente, perito de viação.
Da sua estadia em África durante 30 anos, também Raul de Sousa deixou memória escrita, como esta que deixou de Leiria e arredores, embora a sua publicação só possa ser encarada noutro contexto.
Por razões de saúde reformou-se em 1968 e regressou a Portugal.
A esposa, Maria Joaquina Leitão Martins de Sousa, faleceu em 7 de Março de 1982.
O autor faleceu em 1 de Março de 1989 na freguesia e concelho de São Brás de Alportel.
Nota:
(1) No seu assento de baptismo, realizado a 7 de Setembro daquele ano, consta o seguinte: «Aos sete dias do mez de setembro do anno de mil novecentos e cinco n'esta Egreja parochial da freguezia da villa da Marinha Grande, concelho de Leiria, diocese de Coimbra, baptizei solennemente a um individuo do sexo masculino a quem dei o nome de = Raul = e que nasceu n'esta freguezia ás dez horas da manhã do dia cinco do mez de Agosto do dito anno, filho legitimo de Rodrigo Faustino de Sousa, guarda-livros, natural da cidade de Leiria, e de Elisa Almeida de Sousa, doméstica, natural d'esta freguezia, onde se receberam e são parochianos, moradores na dita villa, neto paterno de António Faustino e de Anna Eugenia de Sousa, e materno de Estevam Nobre de Sousa e de Maria Carolina d'Almeida. Foi padrinho Raul Affonso d'Abreu, casado, pintor de vidro, e madrinha Guilhermina Guerra Pedrosa, solteira, os quais todos sei serem os próprios. (...)»
Assina este registo o Coadjutor José da Silva Nunes que, em nota à margem, escreveu: «Não collei no duplicado o sello devido ao acto por os pais do baptizado serem pobres. Silva Nunes»
Ainda à margem deste assento foi averbado o seguinte: «1. O indivíduo a que se refere este assento realizou o seu casamento na Conservatória do Registo Civil de Leiria, no dia dezassete de Dezembro corrente [1938], com Maria Joaquina Leitão Martins, doméstica, filha de Joaquim Maurício e de Mariana da Conceição Leitão, natural da freguesia e concelho de Lourinhã. Registo de casamento numero oitenta e seis, a folhas oitenta e sete, do livro do ano corrente, da referida Conservatória. Emolumentos: um escudo e cinquenta centavos. Marinha Grande, dezenove de Dezembro de mil novecentos e trinta e oito.»
Noutro averbamento, em sequência, lê-se: «2. O casamento averbado sob o n.º 1 foi dissolvido por óbito da mulher em 7/3/982. (...)»
Ainda num terceiro averbamento foi escrito: «3 – Faleceu em 1 de Março de 1989 na freguesia e concelho de São Brás de Alportel. (...)»