Depois de poesia, ensaio, história cultural e memórias, Fernando Brites volta aos domínios da escrita, apresentando agora a sua primeira ficção: “Da Banda de lá do Tempo”. Trata-se de um romance de 408 páginas num livro produzido pela Textiverso, de Leiria, e lançado no dia 6 de Novembro de 2016 no auditório da Junta de Freguesia do Arrabal (Leiria). Na mesa estiveram a Presidente da Junta, Helena Brites, o editor, Carlos Fernandes, o apresentador, escritor Luís Vieira da Mota, e, naturalmente, o autor, que, ao escrever este livro, diz tê-lo feito «com a ideia de homenagear aqueles que decidiram construir o seu futuro nas ex-colónias e que, fruto de uma descolonização apressada (...), tiveram de regressar em condições deprimentes, que nada dignificam quem os obrigou a voltar e a forma como o fizeram». A este respeito, o apresentador diria: «O Dr. Fernando Brites, mercê de um sentimento de solidariedade, respeito e admiração por todos os que foram espoliados e obrigados a um retorno que não estava nos seus horizontes, dedica-lhes este trabalho, simples na sua forma literária, escorreito na sua escrita, compreensível mesmo para os leitores menos ilustrados, mas com a grandeza de um coração, que por ter sofrido as mesmas angústias, melhor compreende o drama que por cima de todos desabou e com mais dificuldade pode perdoar aos responsáveis por esse cataclismo.»
Depois de audição do “Cânone, em Ré maior”, de Johann Pachelbel, interpretado pela Presidente da Junta, Helena Brites (guitarra), e suas filhas, Luísa Ferreira (violino) e Maria Helena Ferreira (flauta transversal), Luís Vieira da Mota ensaiou uma breve explicação do começo deste livro e dos horizontes que ele abre: «O pequeno herói desta ficção, pequeno até páginas tantas, depois cresce durante mais umas tantas páginas, é o Duarte Mendes, de Ana de Avis, em Figueiró dos Vinhos. O pequeno Duarte é levado contra vontade – deixava amigos e amiguinhas na terra natal, daí ir desconsolado – para a longínqua, desconhecida e misteriosa província ultramarina portuguesa de Moçambique, situada na costa oriental, sabia lá ele onde, da África. Um completo desastre para o nosso pequeno herói. O que ele não sabia ainda é que o autor da ficção já lhe andava a preparar um bom caminho naquelas remotas paragens descobertas há quinhentos anos.»
A saga do Duarte por terras de Moçambique atravessa todo o romance que se contextualiza no tempo histórico que vai de meados do século XX aos nossos dias. Em fundo estão as migrações portuguesas para as colónias na última fase do chamado Estado Novo e o fomento tardio das então designadas Províncias Ultramarinas. E, inapelavelmente, o aparecimento das guerras de libertação e a consequente guerra colonial. Vieira da Mota anota a esse respeito: «Um dia, o Duarte, o pai do Duarte e o futuro sogro do Duarte descobriram as barbas do vizinho a arder: A notícia caiu como o deflagrar de uma bomba. Moçambique tinha iniciado a luta armada contra o domínio português naquela província ultramarina (...).»
Enquanto o conflito decorria lá longe, os colonos e a população em geral foram vivendo sem grandes preocupações. Ainda Mota: «Durante todos esses anos de alheamento do perigo que os cercava, confiantes como estavam nas promessas de eternidade do regime, os protagonistas desta história mimam o leitor, através da pena de quem a escreve, com as mais deliciosas ementas para aniversários, salgadinhos, bolos, bebidas e refrescos, incluindo um rol de músicas a debitar pela grafonola quando o conjunto do “Oliveira Muge” não fosse contratável. Mais tarde, quando os aniversários forem substituídos por casamentos, então as ementas já incluem os acepipes, o primeiro prato, o segundo prato, o champanhe e a sua marca, a sobremesa, o café, os licores e o uísque com a respectiva certidão de avançada idade.»
Mas alguns preocupavam-se. E tomavam medidas: «Enquanto as barbas do vizinho iam ardendo, as das nossas personagens continuavam a seco, salvo as do futuro sogro do Duarte, que todos os anos deixava uns pelitos em seguras aplicações financeiras por esse mundo de Cristo além. Um dia também o Duarte, já o futuro sogro era sogro, pediu a este que lhe levasse também um pelito da sua barba para um molho semelhante.»
Foi depois que... «aconteceu a bernarda do 25 de Abril de 1974. O sogro do Duarte mal sentiu as barbichas a arder pegou na mulher e no filho mais novo e veio gozar os rendimentos para Cascais, deixando o pobre do Duarte, a filha, e o neto, a gerirem o seu imenso império agrário e não só.»
Seguiu-se a independência, com «a bagunça da descolonização que, mais do que envergonhar quem a fez, envergonhará quem a não fez a tempo». E o retorno a trouxe-mouxe. E o recomeço na Metrópole, muitas vezes sabe Deus com quantos sacrifícios e dificuldades. O herói do romance refará a vida? É o que o leitor poderá descobrir se ler este livro.