Apresentado na Casa-Museu * Centro Cultural João Soares, em 5 de Dezembro de 2009
Não poderia começar sem agradecer este convite e dar os parabéns ao Jornal das Cortes pela data festiva, já que inicia este mês o seu 23º ano de vida. São 22 anos de persistência e carolice, de sentido de missão em defesa da sua terra, da parte de uma extensa equipa de colaboradores, mas sobretudo dos elementos do chamado «núcleo duro», entre os quais não posso deixar de destacar o nosso amigo e autor aqui presente, Carlos Fernandes. Para ele, duplos parabéns, quer pelo projecto jornalístico quer por este livro.
Este é um livro com 560 páginas e uma excelente apresentação gráfica. Reúne 200 «estórias» - de muito mais de 200 pessoas -, a maioria delas entrevistas, mas também algumas reportagens e até algumas notícias complementares, constituindo, por vezes, no seu conjunto, pequenos dossiers sobre pessoas ou instituições. Estes textos foram publicados nas várias edições dos últimos 22 anos do Jornal das Cortes, pelo que sabemos, a partir do n.º 4, de 5 de Março de 1988. A sua esmagadora maioria é da autoria de Carlos Fernandes, sendo onze, inseridos em anexo, de outros autores.
Os dossiers individuais são 188, sendo, destes, 12 sobre dirigentes associativos e 12 sobre coleccionadores. Os restantes 164 classificá-los-emos apenas como «rostos». Há ainda 12 textos sobre grupos ou colectividades locais.
Ainda dos referidos 188, 150 protagonistas são homens e 38 são mulheres, representando elas apenas 20% dos entrevistados.
Ora, isso poderá ser um sinal de várias condicionantes (familiares, sociais, profissionais ou outras) mas tenho a certeza de que essa não foi uma opção do jornalista / autor, porque sei que teve sempre a preocupação de diversificar os seus interlocutores e procurar entrevistar também mulheres, sempre que possível. Só que nem sempre era possível, muitas vezes por modéstia delas…
Não tive ainda a oportunidade de verificar rigorosamente a evolução dos entrevistados por sexo e por anos, mas pareceu-me, numa análise muito rápida, que, mais recentemente, elas começam a perder a timidez e a aceitar mais facilmente expor-se ao público. Esperemos que assim seja…
Resumidamente, poderemos dizer que este é um livro de entrevistas. Na Imprensa, a entrevista funda-se na busca directa de informações, fazendo-o em geral através da formulação de perguntas a um ou mais interlocutores, ou seja, há um entrevistador e um ou mais entrevistados. A estrutura mais comum do texto publicado é, pois, a de pergunta - resposta. No entanto, salvo raras excepções, a forma escolhida para estes textos foi a do chamado «texto corrido», em que o entrevistador sintetiza as suas próprias perguntas e as respostas do entrevistado. Isso acontece, por vezes, por razões de espaço – só para terem uma ideia, uma hora de entrevista pergunta-resposta dá cerca de duas páginas inteiras do formato tablóide e, pelo que sei, algumas das conversas que estiveram na origem destes textos demoraram mais de duas horas – mas, sobretudo, porque permite a criação de um texto mais apelativo e interessante para quem lê. Como se depreende, esta solução dá muito mais trabalho a quem redige, que deve ter excepcionais capacidades de síntese, relatando a conversa por palavras suas, sem adulterar aquilo que o entrevistado quis transmitir nas suas respostas.
Mas, se a entrevista é um género jornalístico é também uma técnica de estudo social. Os investigadores das chamadas Ciências Sociais (História, Sociologia, Antropologia, Etnologia, etc.) utilizam-na para recolher dados, junto de interlocutores privilegiados, sobre os assuntos objecto dos seus estudos. Esta prática é normalmente sujeita a cuidados rigorosos, de modo a que as declarações recolhidas reflictam, o mais possível, a real percepção dos factos que tem cada um dos entrevistados. Só para terem uma ideia, há diversas obras publicadas sobre a temática da entrevista como técnica de recolha de dados em estudos sociais.
Não sendo esse o tipo de entrevistas que encontramos neste livro, ele não deixa de ser um documento precioso no estudo de uma comunidade como a freguesia das Cortes. Estando a maioria dos entrevistados ligada, directa ou indirectamente, a esta terra, é possível usá-lo para complementar estudos sobre diversos aspectos da vida das suas populações. Por exemplo, na temática profissional, listar não apenas as profissões dos entrevistados – que teria um valor estatístico duvidoso – mas analisar o percurso profissional dos interlocutores ao longo da sua vida: de que maneira os habitantes de uma freguesia de características tradicionalmente rurais se foram «escapando» do determinismo de há umas décadas atrás, em que a ocupação dos pais condicionava a profissão dos filhos.
Mas este é apenas um exemplo, já que, como diz o autor deste livro na sua «Introdução», e cito:
São 20 anos de histórias que, para além do que representam de estritamente pessoal, atravessam transversalmente todo o século XX e já parte do século XXI, deixando para os vindouros preciosas informações sobre actividades profissionais, ocupações institucionais, associações, colectividades, instituições ou grupos criados, mantidos ou desaparecidos, utilização do tempo, criatividade, arte e cultura, opções de vida, religiosidade, história local e episódios pessoais ou da comunidade, numa verdadeira colectânea de matéria-prima antropológica que poderá servir de matriz para qualquer estudo que, no futuro, queira fazer-se sobre a freguesia das Cortes.
Este livro veio então recuperar do registo estritamente jornalístico informações que estariam, de novo, perdidas no tempo – dada a efemeridade do próprio jornal (quantos de entre vós terão na sua posse a colecção completa destes 22 anos do Jornal das Cortes?). Veio igualmente sistematizar, dadas as suas características, uma parte significativa das «histórias de vida» de alguns dos seus naturais e/ou residentes.
E, passado este tempo, tornou-se também numa merecida homenagem àqueles que, tendo entretanto partido, tiveram ainda a possibilidade de deixar o seu testemunho aos vindouros sobre o que foi, para eles, nascer, crescer, trabalhar, sofrer, amar, enfim viver nesta bela terra à beira Lis espraiada.
Carlos A. Silva