Apresentação do autor e do livro
Engenheiro Eletrotécnico de formação, Diretor do Ministério da Educação, alto funcionário da Comissão Europeia, membro da Comissão da Reforma do Sistema Educativo, membro da Comissão da Introdução das novas Tecnologias na Educação, colaborador do Programa PRODEP (Plano de Desenvolvimento da Educação em Portugal, responsável pela criação, instalação e desenvolvimento do ensino Politécnico em Portugal, Diretor do Gabinete de Apoio à Instalação do Ensino Superior Politécnico do Ministério da Educação, docente universitário no IST e na Academia Militar, autor e co-autor de diversos livros.
Tornou-se já, através das suas publicações, um investigador de História e um notável genealogista, cujo mérito tem dado a conhecer as raízes de nós todos e de outros, que, de contrário, continuariam desconhecidos e esquecidos. Apesar de não lhe conhecermos descendência, tem tratado e conhece muito bem a ascendência. Os seus trabalhos de pesquisa pressupõem-se longos, persistentes e minuciosos, com temas fascinantes e variados. Tem um grande apego a Leiria cuja memória histórica procura iluminar e enaltecer, segundo as palavras do Eduardo Zúquete.
Um curriculum impressionante
Como nota de abertura, uma vez que estamos a tratar de vias de comunicação e de que o país precisa de ajuda e as almas também, lembro, para quem estiver interessado, que durante a Idade Média a construção de pontes era tida como obra do agrado divino recompensada com indulgências, pelo que D. Afonso Henriques, apesar de bem saber a escassez e a desgraça das estradas nacionais (já nessa época, pois o Eng.º Ferreira do Amaral e a Mota Engil ainda não tinham nascido), incluiu na sua última vontade 3 mil maravedis para a construção de uma ponte sobre o Douro, que pagou antes de morrer. Não sabemos se as peagens cobradas reverteriam na totalidade para a amortização do financiamento, se para o benemérito, tipo SCUT da Idade Média. Locais para pontes não faltam, vamos pôr mãos à obra e salvaguardar a nossa tranquilidade no outro mundo, ajudando a debelar a crise e a lavar a alma.
A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791
As estradas romanas continuaram muito importantes para a circulação durante a Europa medieval, e outras foram abertas para atingir novos povoados e mercados criados pela posse feudal das terras, outras ainda decorrentes das prerrogativas dos estados dentro do estado para acesso aos novos centros de produção agrícola mais bem organizados, ou para estratégias de defesa. Todos nós conhecemos exemplos de algumas estradas construídas sobre o leito das estradas romanas, traçadas ainda sem a ajuda dos taqueómetros e outros aparelhos ainda mais sofisticados, pondo de lado o burro que sozinho, escolhia o caminho mais fácil e menos cansativo para chegar ao destino.
No século XVIII, no tempo de D. João V (1689-1750) (1) época a que o autor se refere, a atividade de construção rodoviária resumia-se a pouco; é aberta a estrada de Lisboa a Mafra (que não foi por acaso), e houve melhoramentos em algumas ruas e entradas de Lisboa, cidade que constituía o principal promotor e conservador de estradas e caminhos do reino. Com o reinado de D. Maria I, como o autor refere, são adotadas em 1781 as medidas preconizadas por Pinto Teixeira sobre as Providências a tomar para a Abertura e Conservação das Estradas Reais. Nesse estudo sugere-se o lançamento imediato de sete vias cobrindo todo o Reino, numa extensão de 12 000 milhas, um Plano com termo em 1806, a saber:
• A primeira - As estradas do Douro (região de vinhas e vinhos), através do alvará régio de 1788, visto tratar-se de uma excelente região vinhateira que convinha proteger e preservar para o comércio com o estrangeiro, principalmente com os nossos amigos Ingleses, iniciado a partir da segunda metade do século XVII. Vila Nova de Gaia, que concentrava já o armazenamento, envelhecimento e expedição, tinha a maior concentração de alcool/m2 do mundo, devendo mesmo ultrapassar os irlandeses com o Whisky, pois que estava disseminado por várias destilarias pelo país. Em 1749, por exemplo, exportaram-se 19 000 pipas (2). À Real Companhia Velha foi confiada pelo Marquês de Pombal a missão de sustentar a cultura das vinhas, conservar a produção delas na sua pureza natural, em benefício da Lavoura, do Comércio e da Saúde Pública. Já nesta altura, oficialmente, o vinho estava ligado à saúde dos portugueses;
• A segunda - Troço entre Lisboa e Coimbra (3), aprovado em 11 de Março de 1796 e concluído em 1798; Coimbra era sede da Universidade desde 1 de março de 1290 (reinado de D. Dinis) e para nos situarmos no tempo, Luís de Camões viveu entre 1524 e 1580 e terá estudado em Coimbra, dominando bem o latim, a literatura e a História antiga e moderna; não acredito que tenha andado em Colégios.
• A terceira, quarta, quinta e sexta - Reparação das estradas das comarcas de Tomar, Setúbal, Queluz/Cacém, e Colares/Cascais. Já D. José I, sediado no palácio do Marquês de Oeiras, se tinha servido dos balneários do Estoril em 1775 e 76, com águas boas para a pele para tratamento das suas chagas nas pernas, constando da História que os cães de caça também tomavam banho nas mesmas águas, pois o diabo tece-as, e pelo menos as patas dos canídeos não podiam estar ulceradas e poderia ser um preventivo para as carraças e as pulgas; as águas do Estoril seriam mais tarde retomadas por Fausto de Figueiredo que incluiu umas termas ou banhos na sua nova Estação Marítima, Climatérica, Termal e Sportiva desenhadas pelo arquiteto paisagista francês Henri Martinet, no início do século XX.
• A sétima, Porto e Minho.
Com as Invasões Francesas a partir de 1807 e a saída da corte para o Brasil (entre 1808 e 1822) são suspensos os trabalhos rodoviários e as estradas continuam em degradação. Segundo Adrien Balbi (4), viajante britânico em Portugal em 1822, que registou as suas impressões num Ensaio Estatístico sobre Portugal e Algarves e comparando a nossa situação com outros estados da Europa, refere que "as estradas existentes eram tão más que punham em risco a vida dos viajantes, particularmente no inverno, devido à falta de pontes em especial no sul". Acrescenta que as comunicações entre Lisboa e Madeira ou Açores eram mais fáceis e rápidas do que entre Lisboa, Chaves e Bragança. Não era por acaso que as viagens tinham de ser muito bem planeadas e acompanhadas nos finais do século XVIII e que o autor acentua, e para as quais eram importantes o número de cavalos, ou a liteira, as mulas, os criados e ainda a permissão de usar pistolas e armas de fogo. Este viajante tinha previsto um prazo de 9 dias para alcançar o Porto saindo de Lisboa. Da equipagem constavam os lençóis de cama, toalhas e a palamenta restauranteira habitual, nada de sandes.
A propósito de mulas e liteiras, excelente e cómodo transporte utilizadas ainda em pleno século XX, foi numa liteira de bambú, espécie de trono concebido pelo próprio, que Mao Tsé Tung (5) fez a Longa Marcha (out de 1934-out 1935) através da China num percurso de 10 000 km. por locais onde que a JAE ainda não tinha entrado. Não deve ter passado grandes sacrifícios, pois as varas eram muito compridas, funcionavam como amortecedores para serem mais fáceis e leves de carregar ao subir as montanhas e descer os desfiladeiros o que não era fácil, com uma espécie de toldo de lona para o passageiro ficar protegido do sol e da chuva. Segundo o próprio confessou mais tarde, viajava reclinado a ler. Os participantes da marcha recordam que nas subidas das montanhas os cerregadores do grande líder só conseguiam por vezes avançar de joelhos e a pele e ficavam em carne viva que se espalhava nas pedras antes de chegarem ao cimo. Cada montanha deixava sempre um rasto de suor e de sangue e de carne também, visto que os que ficavam em mau estado eram abandonados para não atrasarem o grande timoneiro. Quando a estrada era larga conversava lado a lado com os colaboradores, de liteira também, e nas subidas os carregadores organizavam-se para que as cabeças estivessem juntas e pudessem continuar a conversa.
A falta de estradas, rios e canais navegáveis (que com o caminho de ferro constituíam a chamada "Viação Acelerada") e também de animais de tiro e de carros, tornava quase nulo o comércio no interior do país. Valia a grande costa marítima que garantia a circulação de bens por barco pelo país e para a qual fluíam os rios e canais. As estradas também podiam servir para despejos, quando as que havia, como a estrada de Marvila em 1842, como se pode ler na Revista Universal Lisbonense, onde havia "partes aonde a água chega à barriga das cavalgaduras, por espaço de muitas braças". Almeida Garrett em 1852, antes do Caminho de Ferro (1856 Lisboa-Carregado) e de entrar para o governo do Marechal Saldanha clamava "Plantai batatas ó geração do vapor e do pó de pedra: macadamizai estradas; fazei caminhos de ferro [...]. E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar á miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? Tal como hoje! O caráter do português está também bem retratado por Aubrey Bell (6) que nos acusava de pensarmos em generalidades e abstrações, com as deduções mais a ver com isso do que com os fatos da vida. O Rei D. Duarte no século XV notava os efeitos do nosso clima sonhador, o azul enevoado do céu e o largo horizonte marítimo, no caráter do povo. E assim se passou o Bojador em 1434 e a sonhar, começámos a colonizar meio mundo.
Voltando às estradas, este estado rodoviário manteve-se até ao final da década de 20 do século XX.
Com base numa planta topográfica com uma dimensão de cerca de 2,40m, mandada levantar pela rainha D. Maria I em 1791 o autor debruça-se sobre elementos particulares dessa carta desde os então oficiais topógrafos a grande parte dos atores que tinham ligações a Leiria. O mapa é um levantamento minucioso das propriedades e povoações da época, marginais à zona de trabalho que revelam um excelente arquivo cadastral.
Segundo o autor refere (p. 82) o mapa tem uma enorme quantidade de informação. É minucioso, pois não só mostra o tipo de cultivo (as árvores de diferentes espécies são mostradas em perspetiva tendo uma pequena sombra), como mostra também as casas, caminhos, rios, ribeiras, poços, fontes e acidentes, à semelhança do que hoje se pode observar através de um mapa reproduzido pelo Google Earth. Tem ainda a vantagem de indicar os nomes dos proprietários, como qualquer mapa de expropriações e ainda as referências mais longínquas para referência próxima como o castelo de Porto de Mós, Igreja do Juncal, etc. É um documento sério e fiel do que se passava nessa zona da estrada.
Praticamente durante a longa idade média pouca coisa se tinha feito em Leiria, pois tinha-se acomodado até ao século XVIII. Nessa data Lisboa sacudia ainda a poeira do terramoto e renascia através de um novo plano que viria a ser a Baixa pombalina; A geométrica Vila Real de Santo António, no Algarve, fundada em 1774 tinha sido construída em menos de 2 anos por ordem do Marquês, para controlar as alfândegas e as pescas. Cento e cinquenta anos depois inaugurava-se o Hotel Guadiana sob projeto do leiriense Arquiteto Ernesto Korrodi em estilo Arte Nova;
O hospital D. Manuel de Aguiar começou a ser construído nos finais do século XVIII e foi aberto ao público em 1800 ou 1802 segundo vários autores;
O convento de Santo Agostinho, futuro quartel de infantaria 7 foi concluído nos finais do século XVIII;
Os paços episcopais, futuro quartel de artilharia 4 estavam a ser concluídos também nos finais deste século, por ordem de D. Manuel de Aguiar (1790-1815), cujo início teria sido em 1640, ano da revolução e expulsão dos Filipes, mais tarde incendiado durante as invasões francesas (1807-1814);
Ao Bispo D. Manuel de Aguiar se deve ainda a construção de um cemitério, no adro nascente da Sé, que serviu a população até 1871.
Em 1784, com base na iniciativa do 1º visconde de Balsemão, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, tinha-se dado início ao levantamento geodésico do país, "base para uma correta representação topográfica do terreno" conforme o autor cita na p.16, utilizando-se aparelhagem de última geração desconhecida em Portugal e entretanto encomendada para se procederem às triangulações. A triangulação geodésica tem por base malhas geométricas de várias ordens que cobre toda a zona a levantar e exige trabalho de campo. Não havia ainda as atuais fotografias aéreas métricas nem as imagens de satélite GPS.
Nessa data não havia também o desenvolvimento e a mobilidade generalizada que comandava os investimentos da construção de estradas. Era a corte e a vontade de Suas Majestades que ditavam quais as estradas a reparar ou a construir. O princípio do utilizador-pagador aplicava-se às peagens de travessias de rios com barcas ou pontes ou às entradas das cidades, princípio medieval que permitia aos senhores das terras obterem rendimentos de impostos provenientes dos mercados e do comércio. Hoje esse princípio volta a renascer e já há cerca de 40 cidades europeias que o praticam. Lisboa quer enfileirar nesse grupo, o que concordo.
Mas o autor vai ainda mais longe. Muitos dos atores ligados a este levantamento e a esta estrada, tinham ligações a Leiria.
José Diogo Mascarenhas Neto, Desembargador e homem sabedor, nomeado Superintendente Geral das Estradas e Juiz de Fora de Leiria. Mascarenhas Neto que publicou o Novo Método de Construção de Estradas, obra notável citada pelo autor. E refere Conrad Heinrich von Niemeyer que levantou os terrenos para a estrada de Rio Maior a Leiria e projetou as pontes sobre o Rio Lis e Lena;
E ainda Johan Casper Heinrich Griffenig, cuja numerosa descendência é notória aqui na cidade, e o Sargento-Mor Joaquim Oliveira, er outros. De Niemeyer há um descendente que toda a gente conhece de nome, o Arq. Óscar Soares Filho, mais conhecido por Óscar Niemeyer.
Há referências do autor também ao modo curioso de viajar. Sem estradas, não era tarefa fácil deslocarem-se de um lado para o outro. Os trajetos de diligências eram limitados e o autor recorda-nos como se viajava na época e não havia muito por onde escolher. A meio do século XVIII optava-se pela diligência (Porto-Braga, Lisboa-Coimbra e Lisboa-Badajós e Elvas). Ou então, de cavalos, burros ou de liteiras. Não era por acaso que as estrebarias reais continham 4 mil mulas e dois mil cavalos, que William Beckford (7) refere na sua correspondência de 9 de Julho de 1787, no tempo de D. João VI. Seria curioso saber-se quantas viaturas o Estado tem atualmente ao seu serviço.
Em 1797 o estado assume a exploração do cargo de Correio-Mor, até então privado (na posse da família Gomes da Mata) e Mascarenhas Neto institui o serviço da Mala-Posta para o mesmo efeito, publica o seu tratado para construir as estradas e ainda as Instruções para o estabelecimento das diligências entre Lisboa e Coimbra em determinados dias da semana. Este trajeto demorava cerca de 34 horas havendo mudas de cavalos em cerca de 23 lugares. As saídas eram simultâneas das duas cidades, às 5 horas da manhã e chegavam ao destino no dia seguinte pelas 21 horas, com pernoita, sendo a razão principal deste transporte, o correio. Criaram-se para isso as infraestruturas necessárias, as Estações de Muda Chegaram-se a importar de França diligências com lotação para 7 passageiros mais os volumes de correspondência.
Em 1798 a passagem de Lisboa a Coimbra, numa distância de 213 km custava 9000 reis e para o Porto, o preço era de 13500 reis para uma distância de 338 km. Setenta anos depois em 1868, o preço/km em diligência era de 25 reis e de CF - 3ª classe, de 10 réis.
Recordo que nos jovens tempos dos meus pais, ele e a minha tia Maria Augusta iam veranear para a Praia do Pedrógão, com sempre fizemos. Mal nasci fui para lá também. Contavam que iam de comboio até Monte Redondo e daí de carro de bois até ao Pedrógão, pela velha estrada de macadame ao Coimbrão, e daí ao Pedrógão através da duna. Não havia outra coisa. A própria localidade, pequeníssima e convidativa em relação ao que é hoje, desmesuradamente grande e incómoda, não tinha arruamentos macadamizados ou empedrados, só areia. A propósito destas épocas e do que se passou 100 anos depois, na opinião de José Augusto França, "Nenhum retrato provincial nos deixou a literatura realista, superior ao da Leiria do Crime do padre Amaro. Estava-se em 1870 e 50 anos depois, nada, no fundo se alterara na cidade do Lis. É certo que não havia já a diligência de Chão de Maçãs com o correio da tarde e passageiros do comboio do norte a parar no Largo do Chafariz - mas em 1920, levava-se 10 horas a chegar à cidade, vindo de Lisboa, e com transbordo para um comboio de mercadorias e o carro da carreira, no "chouto regular dos cavalos" ia acolhendo os viandantes... E para ir à Batalha ver o monumento, só de trem com uma hora de caminho e para Alcobaça havia que contar 6 km desde a estação de Valada (8).
O livro do nosso autor refere no capítulo 6 a propósito do Mapa Topográfico, um mosaico de descrições feitas por viajantes, principalmente para o sul de Leiria, Batalha, Alcobaça, Caldas da Rainha, mas nada ou pouco para norte. Todos eles enalteciam esta terra produtiva e farta. E por isso, segundo Murphy, a agricultura e outras artes são pouco desenvolvidas e daí o ocioso dos habitantes. Sabemos a qualidade fértil das várzeas da nossa região, tanto na bacia do Lis e do Lena, ribeiras do Sirol e dos Milagres como na várzea do Valado, topónimo possível derivado de velado de velar, por haver um frade zelador dos campos do mosteiro de Cister (do séc. XII em diante), ou então por ter muitas valas de drenagem, o que indicia água e fertilidade. Na Cela Velha, sede de concelho até ao início do século XIX, onde nós íamos em jovens para casa da prima Maria Iva Theriaga Delgado/Humberto Delgado, foram encontradas na base do morro rochoso argolas de bronze, arganéus de amarração de embarcações, chumbados na arriba na margem esquerda do Alcoa que indicia que nessa várzea o rio foi frequentado por embarcações. O rio Alcoa ou de Fervença, ainda existe embora com outro leito, muito menos extenso, até à Praia Nova da Nazaré. A várzea serve de leito à N 242 e à A8 desde Famalicão até ao Valado dos Frades, invadindo terrenos de excelente produção agrícola.
Segundo outro viajante, Leiria já se tinha tornado buliçosa no século XIX, mais do que a maioria das cidades portuguesas, reconhecendo que no século XV já tinha renome, tinha imprensa, a 1ª no reino e a 3ª na Europa. Antes da linha do oeste estar ao serviço (1 de ago.1887) (9), viajava-se de comboio até Pombal e daqui para Leiria ao preço mil reis e 15 kg de bagagem (a bagagem aérea deve ter tido aqui os antecedentes). É curioso o que o autor também recorda - o conde Atanásio Raczinsky (princípios do séc XVIII) refere que Leiria tinha 3 000 hab. não era mal construída, mas parecia que tinha sido construída para muito mais população (Leiria teria 4 000 hab nos finais desse século). O castelo era uma massa imponente de pedras. Penso que tanto uma coisa como a outra ainda se mantêm!
O livro apresenta ainda uma análise muito interessante dos diversos lugares que o traçado e o levantamento reproduzem - Várzeas da Azoia e Batalha, Batalha, Porto de Mós (aqui o autor está em casa), Alcobaça, Rio Maior. Insere também para melhor conhecimento a parte norte de Leiria dos finais do século XVIII com extratos do mapa topográfico levantado em 1791 com vista á estrada Real de Leiria a Coimbra, com as entradas e saídas de Leiria. Apresenta ainda uma planta da cidade de 1816 que é um regalo para a vista pela minúcia dos traçados, pelas sombras que não são mais do que as 3 D atuais. Está lá tudo!
A tradicional calçada à portuguesa que o autor bem refere, pode ter aparecido em 1842 na sequência da disponibilidade de mão-de-obra barata de presidiários ou militares sem nada para fazer. O que havia já de tradição para os pavimentos estradais - calçadas de pedra talhada (cubos e paralelepípedos) ou calçada irregular, ou à portuguesa, parecendo que terão sido exclusivas de cá, foram utilizadas em França no século XII e XIII, no tempo do rei Philipe II, dito Philipe Auguste. É deste monarca que Mascarenhas Neto se refere no seu Método de Construção de Estradas que "até aos nossos dias tem trabalhado a França em restabelecer e construir novas estradas e na polícia concernente a conservá-las. Esta nação foi certamente a primeira que depois dos romanos conheceu, que a facilidade do transporte faz o adiantamento do Comércio e da indústria e que a velocidade da viagem contribui para o bom governo dos estados". É espantoso o conhecimento que Mascarenhas Neto tinha sobre o assunto e não era engenheiro, pois afirmava que "o método mais fácil e vantajoso da sua construção era reservado para os ingleses nos nossos dias", que conhecendo as "terras calcárias e arenosas, o saibro, e o tufo, simplesmente ou por meio de uma mistura artificial deduzidas das observações da natureza, são capazes de conglutinação, e em virtude dela se fazer um corpo sólido" (10). Era o princípio do macadame, que com a rega, os inertes mais ligeiros do que os habituais faziam preza e que no início do século seguinte em 1811 Mac Adam começou a divulgar, após as tentativas de Trezaguet, Telford e de Polonceau.
A pedra, podia ser também o seixo rolado, na maior parte dos casos apanhada nas margens das estradas que se queriam pavimentar e que tanto barulho faziam sob o rodado das carruagens e carros com aros metálicos. Ainda nos lembramos de a haver nas ruas de Leiria, muito escorregadias com a humidade frequente.
Nos dias de hoje a calçada à portuguesa está a cair em desuso. Já se evita a sua utilização em trabalhos exteriores e muitos municípios fogem dela, preferindo outros materiais com menores problemas de nivelamento e de perigo, porém com mais dificuldade de concordâncias de trainéis. A falta de cuidado e conhecimentos de assentamento, as juntas mal refechadas e o grau de polidez excessiva devido ao tráfego, são origem de quedas e de tornozelos partidos, e uma carga de trabalhos para os saltos de agulha dos sapatos das senhoras.
Ricardo Charters d'Azevedo está de parabéns. Deu-nos um magnífico repositório da vida e dos valores de Leiria dos princípios do século XIX, um elemento de trabalho, análise e de meditação para trabalhos futuros, fruto de intensa e persistente pesquisa e investigação, que é um trabalho solitário para o investigador, dolorido, que não se vê, mas uma base excelente para trabalhos futuros, complementado com genealogias, grande parte delas desconhecidas. De um dos meus últimos trabalhos retirei "Esse trabalho solitário de investigação e o seu registo em livro apesar de ser uma acção solitária e pessoal pelas ideias que constantemente fluem, pelo rumo da investigação que se traça, pela forma como se vai registando e pelo tempo de pesquisa, não dispensa o apoio de muitos actores sem os quais o livro não chegaria ao fim, ou mesmo, não haveria livro". Cá estamos para o apoiar e lhe dar coragem para mais um. Ficámos todos a conhecermo-nos melhor e a saber que através de dois soldados dos exércitos do soberano de Schaumburg-Lippe, estado independente do Sacro Império Romano Germânico (11), somos tantos e tão bons! Estamos mais ricos e a cidade também.
Continue, Ricardo!
Leiria, 17 de setembro de 2011
Notas
(1) MATOS, Artur Teodoro de - in História dos Transportes. p. 26-27.
(2) Pipa = 1/2 tonel= 500kg = 21.25 almudes = 16,8 Ll cada.
(3) A universidade foi fundada por D. Dinis em 1/Mar/1290.
(4) BALBI, Adrien - Essai Stastique sur le Royaumme du Portugal et d'Algarves comparé aux autres Etáts de l'Europe. 1822. p. 26.
(5) CHANG, June - Mao, a História Desconhecida. p. 169. Morreram mais de 70 milhões de chineses na sua governação. Longa Marcha 40 000km, 1 ano.
(6) BELL, Aubrey - Portugal and the Portuguese. p. 5.
(7) BECKFORD, William - A Corte da Rainha D. Maria I. p. 70.
(8) FRANÇA, José Augusto - Anos vinte em Portugal. p. 275.
(9) A linha americana iniciou-se em 1857 ligando a MG a SM do Porto, sobre carris de madeira substituídos por ferro em 1861. Para SMP levava madeira e outros produtos do pinhal (resinas) e na volta trazia pedra, cal, areia e calcário. Nas subidas era ajudado por uma junta de bois.
(10) NETO, Mascarenhas - Método para Construir as Estradas em Portugal. Introdução.
(11) Constituído por pequenos reinos, principados, ducados, condados e cidades livres e outros, até 1806, até Frederico II.
Bibliografia
BALBI, Adrien - Essai Stastique sur le Royaumme du Portugal et d'Algarves comparé aux autres Etáts de l'Europe. 1822. in Transportes, informação e debate. DGTT. Lisboa nº 4 - jan. 94. p. 26.
BECKFORD, William - A Corte da Rainha D. Maria I. Frenesi. Lisboa. 2003.
BELL, Aubrey - Portugal and the Portuguese, London, 1915.
CHANG, Jung - Mao, a História Desconhecida. Bertrand. Lisboa. 2005.
FRANÇA, José Augusto - Os Anos vinte em Portugal. Presença. Lisboa. 1992.
MATOS, Artur Teodorpo de - in Transportes, informação e debate. DGTT. Lisboa nº 4 - jan. 94.
NETO, Jozé Diogo Mascarenhas - Methodo para Construir as Estradas em Portugal, dedicado ao Senhor Dom João Príncipe do Brasil. Ed. Facsimilada. JAE. Lisboa. 1985.
* Arquiteto, M. Sc. Ph. D.