Cortes e Casa-Museu João Soares, 22 de Janeiro de 2011
Do Sítio da Nazaré, onde o cavalo de D. Fuas deixou marca, onde «a Terra se acaba e o mar começa», veio-nos Alda Gonçalves, frequentando o Liceu Rodrigues Lobo, trabalhando na Câmara de Leiria até à reforma. Alda Gonçalves é conhecida pelas suas obras que referem locais desta cidade e seu distrito.
A edição do “Jornal das Cortes”, “Sua Excelência a Moda”, que me coube apresentar, ultrapassa Leiria e engloba o mundo. Nada lhe escapa, neste dissecar de costumes: barbas, bigodes, gravatas, beijos, espartilhos e até o constrangedor vaso de noite. Vinte e sete capítulos!
O primeiro, de seu título “Generalidades”, previne-nos de imediato para o ziguezaguear da moda ao longo dos séculos, e evocamos Bocage, embrulhado num lençol à espera da última moda.
Hoje, quando as mulheres usam calças com a máxima tranquilidade, recordo o meu tempo de universidade em que só no estrangeiro as podíamos vestir, excepto para entrar nas catedrais espanholas! Aí, a capa de estudante resolvia o problema: «Quem tem capa, sempre escapa.» Em Coimbra, no Liceu Infanta D. Maria, só em 1969 passou uma ordem de serviço para ser lida nas aulas. Escola feminina que era, professoras e alunas viram finalmente permitido o uso de calças compridas. E o prático e o quente instalaram-se.
Com o bigode vamos até ao Egipto, admiramos Charlot e tememos Hitler.
A barba evoca-nos o antigo Oriente e, mais próximo, as décadas de sessenta e setenta, em que a grande cabeleira se juntava aos pêlos da cara.
Do beijo, refere-se que, na Abissínia, os homens beijavam o chão que a amada pisava; na Ásia faziam-se cócegas na orelha. E entre nós, o beijo na mão significa reverência; na face, amizade; na testa, respeito; e na boca, amor. Diz-se que, na América, recomendaram o beijo prolongado para fazer subir a tensão!
De boas maneiras ficamos cientes, vendo-as variar em função dos povos, dos tempos e lugares. São as “regras de etiqueta” que, por vezes, se mantêm, embora a origem delas se perca. Cristina da Suécia visitou a França e registou no seu Diário algumas normas observadas. Uma delas: «Passeio – os homens devem reservá-lo às mulheres para lhes evitar os borrifos dos regatos e goteiras.»
Do fato de banho até ao pescoço ao monoquini, o ser humano levou séculos a despir-se. Finalmente voltou à parra de Adão e Eva.
O espartilho foi o causador de muitas doenças. Já Hipócrates, o pai da Medicina, tecia imprecações contra ele. Abolido com a Revolução Francesa e seus ideais de «liberté, égalité, fraternité», foi-se, contudo, perpetuando. No “Correio de Leiria”, de 1899, lia-se esta crítica em forma de verso:
«Ai, Maria, vem depressa,
Desaperta este colete!
Eu me sufoco! Já temo
Estoirar como um foguete!»
As rimas espreitam sempre quando se trata do ridículo. No séc. XVIII, a propósito dos exageros do penteado, de volumes artificiais e artificiosos, é conhecido o soneto de Nicolau Tolentino, “O colchão dentro do toucado”:
«Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo, de pena,
A filha o ponha ali, ou a criada:
A filha, esbelta e aperaltada,
Lhe diz co´a doce voz, que o ar serena:
- Sumiu-se-lhe o colchão? É forte pena!
Olhe não fique a casa aruinada!
- Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos? E, dizendo isto,
Arremete-lhe à cara e ao penteado:
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.»
Não vou falar de todo o livro de Alda Gonçalves. Para matar a curiosidade há um remédio eficaz: ler “Sua Excelência a Moda”. Em relação a ela, a dita moda, que tanto serpenteia ao longo dos tempos, se me é permitido, diria que a fazemos nós a partir do que nos vai bem, do que nos faz sentir bem, a partir do nosso “nós”.
Como noutros domínios, a propósito da moda, e parafraseando o poeta, afirmarei:
… «Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não!» …
Isabel Aragão
Do Sítio da Nazaré, onde o cavalo de D. Fuas deixou marca, onde «a Terra se acaba e o mar começa», veio-nos Alda Gonçalves, frequentando o Liceu Rodrigues Lobo, trabalhando na Câmara de Leiria até à reforma. Alda Gonçalves é conhecida pelas suas obras que referem locais desta cidade e seu distrito.
A edição do “Jornal das Cortes”, “Sua Excelência a Moda”, que me coube apresentar, ultrapassa Leiria e engloba o mundo. Nada lhe escapa, neste dissecar de costumes: barbas, bigodes, gravatas, beijos, espartilhos e até o constrangedor vaso de noite. Vinte e sete capítulos!
O primeiro, de seu título “Generalidades”, previne-nos de imediato para o ziguezaguear da moda ao longo dos séculos, e evocamos Bocage, embrulhado num lençol à espera da última moda.
Hoje, quando as mulheres usam calças com a máxima tranquilidade, recordo o meu tempo de universidade em que só no estrangeiro as podíamos vestir, excepto para entrar nas catedrais espanholas! Aí, a capa de estudante resolvia o problema: «Quem tem capa, sempre escapa.» Em Coimbra, no Liceu Infanta D. Maria, só em 1969 passou uma ordem de serviço para ser lida nas aulas. Escola feminina que era, professoras e alunas viram finalmente permitido o uso de calças compridas. E o prático e o quente instalaram-se.
Com o bigode vamos até ao Egipto, admiramos Charlot e tememos Hitler.
A barba evoca-nos o antigo Oriente e, mais próximo, as décadas de sessenta e setenta, em que a grande cabeleira se juntava aos pêlos da cara.
Do beijo, refere-se que, na Abissínia, os homens beijavam o chão que a amada pisava; na Ásia faziam-se cócegas na orelha. E entre nós, o beijo na mão significa reverência; na face, amizade; na testa, respeito; e na boca, amor. Diz-se que, na América, recomendaram o beijo prolongado para fazer subir a tensão!
De boas maneiras ficamos cientes, vendo-as variar em função dos povos, dos tempos e lugares. São as “regras de etiqueta” que, por vezes, se mantêm, embora a origem delas se perca. Cristina da Suécia visitou a França e registou no seu Diário algumas normas observadas. Uma delas: «Passeio – os homens devem reservá-lo às mulheres para lhes evitar os borrifos dos regatos e goteiras.»
Do fato de banho até ao pescoço ao monoquini, o ser humano levou séculos a despir-se. Finalmente voltou à parra de Adão e Eva.
O espartilho foi o causador de muitas doenças. Já Hipócrates, o pai da Medicina, tecia imprecações contra ele. Abolido com a Revolução Francesa e seus ideais de «liberté, égalité, fraternité», foi-se, contudo, perpetuando. No “Correio de Leiria”, de 1899, lia-se esta crítica em forma de verso:
«Ai, Maria, vem depressa,
Desaperta este colete!
Eu me sufoco! Já temo
Estoirar como um foguete!»
As rimas espreitam sempre quando se trata do ridículo. No séc. XVIII, a propósito dos exageros do penteado, de volumes artificiais e artificiosos, é conhecido o soneto de Nicolau Tolentino, “O colchão dentro do toucado”:
«Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo, de pena,
A filha o ponha ali, ou a criada:
A filha, esbelta e aperaltada,
Lhe diz co´a doce voz, que o ar serena:
- Sumiu-se-lhe o colchão? É forte pena!
Olhe não fique a casa aruinada!
- Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos? E, dizendo isto,
Arremete-lhe à cara e ao penteado:
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.»
Não vou falar de todo o livro de Alda Gonçalves. Para matar a curiosidade há um remédio eficaz: ler “Sua Excelência a Moda”. Em relação a ela, a dita moda, que tanto serpenteia ao longo dos tempos, se me é permitido, diria que a fazemos nós a partir do que nos vai bem, do que nos faz sentir bem, a partir do nosso “nós”.
Como noutros domínios, a propósito da moda, e parafraseando o poeta, afirmarei:
… «Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não!» …
Isabel Aragão